segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Um breve exercício, uma longa jornada.


O desenvolvimento da competência comunicativa está relacionado à capacidade de o usuário da língua saber interpretar e empregar um maior número de recursos da língua, seja na modalidade escrita, seja na falada, de forma adequada em diferentes situações de interação comunicativa (formais e informais). A segunda atividade, que propõe um trabalho de ampliação dos usos de língua, mostrando como cada falante usaria de recursos comunicativos (e argumentativos) de acordo com o seu interlocutor, seu propósito, ou intenção , permite trabalhar a oralidade e desenvolve a referida competência em nossos alunos.
Escolhi a situação descrita na letra "c", como se fosse uma dondoca descrevendo a casa para a querida amiga e pedi a duas ex-alunas, hoje trabalho em outra unidade de ensino que escrevessem o texto, que ficou assim:
“Pat, a casa é linda. Tem um hall e uma big sala, com um pé-direito double ma-ra-vi-lho-so. No teto um lustre high tech. Ai, amiga, puro design. Falei na hora para Amauri, compra darling, compra. Pagamos em cash. Nem te conto, no andar de cima, são três quartos, to-dos com suítes masters, os banheiros têm hidros. Imagino eu e Amauri no maior love, ai. Olha só, eu ia me esquecendo da cozinha, que eu nem entrei, mas disseram que era do tipo funcional. O jardim é um lugar lindo, bem contemporâneo, chique. Agora o melhor de tudo: a nossa house fica perto do Shopping, já imaginou... não é over.” (Sandra e Geórgia, 3ªsérie, CEM 01 Gama).
Ao receber o texto, não fiz correções e pedi que me explicassem como foi o processo de criação. As referidas alunas informaram que pensaram em uma mulher jovem, “patricinha”, apenas com o ensino fundamental, mas que deu sorte, pois se casou com um homem rico, adora sexo, utiliza freqüentemente expressões da língua inglesa, leitora visual da revista Caras. Para construção do texto, pediram auxílio à professora de inglês e gostariam de desenvolver uma atividade desse tipo em sala,de preferência com dramatização.
Podemos considerar erro em linguagem quando temos formas ou construções que travam a comunicação, que a impedem, em termos fonético, morfológico, sintático, semântico e/ou pragmáticos, por fugirem à regularidade natural de uso dessa língua dentro da comunidade de falantes, ou seja, conforme cada dialeto. Ao construírem o texto as alunas demonstraram isso não ocorre, embora a personagem, cometa vícios de linguagem, o estrangeirismo, atentando contra o padrão formal, a mensagem textual é clara.
É importante lembrar que uma mesma pessoa pode usar diferentes variedades de uma só forma da língua, depende da situação, não existindo uniformidade no uso de uma dela. Também é preciso compreender que existem variações de época, de região, de classes sociais, e etc. Celso Cunha, em Uma política do idioma, afirma que "nenhuma língua permanece a mesma em todo o seu domínio e, ainda num só local, apresenta um sem-número de diferenciações. (...) Mas essas variedades de ordem geográfica, de ordem social e até individual, pois cada um procura utilizar o sistema idiomático da forma que melhor lhe exprime o gosto e o pensamento, não prejudicam a unidade superior da língua, nem a consciência que têm os que a falam diversamente de se servirem de um mesmo instrumento de comunicação, de manifestação e de emoção”.
A nossa dondoca extrapola, mas basta um passeio pelos centros comerciais, estudar os anúncios publicitários, conversar com vendedores, ler revistas de decoração, utilizar a internet que perceberemos a utilização de expressões estranhas à nossa língua. Não há volta, aos poucos nos apropriamos de expressões ou palavras e vamos transformando a nossa língua, o processo começa pela fala. São situações que existem e muitos professores ignoram. Ao desconhecer a realidade do aluno, a sua prática se distancia , tornando-se ineficaz. O ensino do padrão formal, nosso objetivo, deve ser feito a partir de duas vertentes: a realidade de nosso tempo e a do aluno, assim alcançaremos o sucesso, sem imposições, apenas mostrando o caminho necessário para o domínio da nossa língua e conseqüentemente o sucesso, pois como dizia o Chacrinha: "Quem não se comunica, se trumbica."
Referências bibliográficas
CUNHA, Celso. Uma Política do Idioma.Disponível em www.filologia.org.br/revista/artigo/htm. .Acessado em 16/08/2008
TRAVAGLIA, Luiz Carlos . Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no primeiro e segundo graus. S.P. Cortez, 1996. pp 41-66
MARCUSCHI, L. A. A concepção de língua falada nos manuais de português de 1º e 2º graus:uma visão crítica. Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas,SP: UNICAMP/IEL, n.30, 1997.





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